Acordei. Fui à academia. Na volta, depois de quase tropeçar, passei na farmácia e comprei gaze, soro fisiológico e umas seringas estéreis. Era o material que faltava para que eu pudesse realizar a extração do dente de uma paciente.
Chegando na faculdade, tive que argumentar com um grande amigo meu sobre o rodízio nos boxes da clínica onde nós atendemos. Alguns boxes não possuem ar-condicionado funcionando, e como em Recife, o calor também é um grande amigo e está sempre do nosso lado, a gente se organiza semanalmente para que todos possam atender com o mínimo de desconforto possível. Este é, infelizmente, um dos menores problemas que enfrentamos, enquanto atuantes do Sistema Único de Saúde.
Mas o que me trouxe à reflexão não foi este fato. Foi a extração daquele dente. A paciente tem 14 anos, que é uma idade bem prematura para perder um elemento dentário, mas ainda assim, é a realidade de muitos Brasil afora. E as causas são quase sempre as mesmas: ou por cárie, ou por doença periodontal. Dessa vez foi por cárie. Inclusive, eu já escrevi sobre isso.
Apesar da extração ser a última opção de tratamento a ser considerada para um dente comprometido, ela acaba sendo a solução mais viável para os pacientes que dependem do SUS. E se por um lado ela é a solução definitiva para a dor, ela cria uma nova situação de vulnerabilidade: a ausência de um dente.Uma vez li que cerca de ⅔ dos brasileiros com 25 a 44 anos já perderam pelo menos um dente permanente. A garotinha que eu atendi hoje entrou um pouco cedo demais para essa estatística, e ela terá, ao longo de sua trajetória, prejuízos na sua qualidade de vida que pessoas em contextos socioculturais mais favoráveis jamais terão. Ela precisará arcar com o custo de uma prótese dentária — seja ela sobre implante, fixa ou removível —, caso não queira que os demais dentes sejam prejudicados pela ausência do elemento dentário que foi extraído, porque dentre as opções de tratamento oferecidas pelo serviço público de saúde, as próteses não estão no catálogo.
A gente sabe muito bem que a reabilitação oral não é um dos serviços mais acessíveis na odontologia, e infelizmente a mãe dela também faz parte de uma estatística: a do desemprego.