Sentar na cadeira do dentista continua sendo, no Brasil, um insuportável monopólio de classe social. Um privilégio, e não um ‘direito de todos’ — mais uma cruel expressão das iniquidades que nos assolam (Saúde bucal no Brasil: muito além do céu da boca).
De acordo com o CFO (Conselho Federal de Odontologia), o Brasil é o país que concentra o maior número de dentistas no mundo. São 372.753 cirurgiões-dentistas formados, os quais correspondem a 20% do quantitativo do total global de profissionais.
É uma quantidade expressiva de profissionais por habitante se formos comparar com países como os Estados Unidos, por exemplo, que segundo a ADA (American Dental Association), possui um índice de 61 dentistas para cada 100 mil habitantes. No Brasil, ainda de acordo com o CFO, esse índice é de 171 dentistas para cada 100 mil habitantes.
Além disso, a qualidade técnica da odontologia brasileira, que é extremamente desenvolvida e tecnológica, sendo reconhecida mundialmente pela pela competência e habilidade manual dos profissionais, os quais, de acordo com a ONU, são classificados entre os melhores do mundo. Apesar dos números nos levarem a crer que a saúde bucal no Brasil é exemplo no mundo todo, a desigualdade social nos mostra que a realidade é bem diferente.
O contraste social que exclui parte significativa da população brasileira do acesso à saúde bucal é visível nos rostos e nos números. No Brasil, segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 16 milhões de brasileiros vivem sem nenhum dente na boca e 41,5% das pessoas com mais de 60 anos já perderam todos os dentes. Ainda nesse contexto, 39 milhões de pessoas usam próteses dentárias, das quais 1 a cada 5 delas têm entre 25 e 44 anos.
O Brasil é o país com a maior população de desdentados do mundo. Esta realidade incongruente se dá devido aos “vazios sanitários odontológicos.” Ainda existem locais do país pouco equipados e com carências de profissionais do ramo. Essa má distribuição geográfica de cirurgiões-dentistas pelo território nacional afeta, especialmente, áreas remotas e rurais.
“Algumas pessoas estão a cem quilômetros do dentista, outras estão ainda mais distantes: a $50”Mesmo o Brasil sendo o país com mais dentistas no mundo, como mostram os dados citados acima, há muita disparidade na distribuição do acesso à saúde bucal. O que estabelece tal iniquidade é o contexto social em que cada indivíduo está inserido. As posições dentro da hierarquia social são um dos principais fatores que determinam as oportunidades de saúde e colocam o cidadão em situação de vulnerabilidade perante condições nocivas e não saudáveis.
O sorriso pode, inclusive, servir como parâmetro para a desigualdade da sociedade, visto que é reflexo da condição financeira de cada indivíduo. Enquanto os mais ricos gastam valores exorbitantes com tratamentos dentários, os pobres lidam tanto com a "dor física" como com a "dor moral", decorrente da vergonha de não ter dentes.
De modo geral, no setor da saúde, a apropriação desproporcional das riquezas tem reflexos diretos na realidade brasileira. Enquanto uma parte significativa da população continua a sofrer pela falta de tratamento dentário básico, outra, mais privilegiada social e economicamente, paga o valor de um imóvel para deixar os dentes reluzentes e alcançar a estética facial idealizada.